sábado, 2 de fevereiro de 2013

Quem são e como viviam os proprietários da boate Kiss

Eles gostavam de balada e das redes sociais. Agora, um está na cadeia e o outro algemado no hospital


CONGELADOS Os empresários Elissandro Spohr, o Kiko (acima), e Mauro Hoffmann (abaixo).  A Defensoria Pública pediu o congelamento dos bens dos sócios da Kiss para garantir a indenização às famílias das vítimas do incêndio (Foto: Reprodução e Emerson Souza/Ag. RBS)
A boate Kiss foi inaugurada em julho de 2009. Bastaram dois anos para que se tornasse um sucesso entre os jovens de Santa Maria. A procura pelas festas na boate era tão grande que os clientes começaram a reclamar das filas que se formavam na frente. Do lado esquerdo da portaria, ficavam alinhados os que tinham comprado o ingresso com antecedência. Quem ainda precisava passar na bilheteria se mantinha à direita. As filas dos dois grupos invariavelmente dobravam as esquinas na Rua dos Andradas, onde fica a Kiss. Naquela época, com 26 anos de idade, o empresário Elissandro Callegaro Spohr, conhecido pelo apelido de Kiko, deu entrevistas dizendo que recebia até 1.400 pagantes, e isso tornava difícil a tarefa de organizar a entrada. Talvez ele inflacionasse o público por uma estratégia de marketing. A julgar pela tragédia do último final de semana, o exagero pode não ter sido tão grande. A polícia trabalha com a estimativa de que haveria entre 1.000 e 1.500 jovens na boate na noite da tragédia. O local poderia abrigar no máximo 691 pessoas, segundo diz o Corpo de Bombeiros.

Piloto de motocross, vocalista de uma banda de música e autointitulado modelo fotográfico e ator, Kiko sempre foi conhecido como um notável “baladeiro”. Bem-apessoado, com 1,80 metro de altura e tatuagem no braço esquerdo, era figura frequente em colunas sociais locais. Como empresário, ele tem um lado menos visível, revelado por documentos obtidos por ÉPOCA. Oficialmente, ele é proprietário não da boate, mas de um negócio com muito menos glamour. Ele tem uma revendedora de pneus, localizada nas cercanias de Santa Maria, a Vales Verdes. Ela deve em impostos cerca de R$ 3 milhões ao governo federal e seus bens foram penhorados.
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A Kiss, cuja razão social é Santo Entretenimentos, está em nome de uma irmã de Kiko, Ângela Aurélia, e da mãe dele, Marlene Terezinha. O sócio real do empreendimento é um tarimbado empresário da noite de Santa Maria. Mauro Londero Hoffmann, de 47 anos, conhecido como Maurinho, é dono de bares, restaurantes e casas de shows. A principal delas, a luxuosa boate Absinto Hall, reúne num espaço de 800 metros quadrados, bem maior que a Kiss, cerca de 200 mil pessoas a cada ano, segundo informa o site da empresa na internet. Maurinho parece ter se associado a Kiko, comprando 50% das cotas da Kiss no meio do ano passado, para salvar o empreendimento da falência. A boate se tornou uma das três principais casas noturnas da cidade, embora seus resultados financeiros não fossem bons. O grande número de adolescentes sempre presentes na casa chegou a dar ao recinto o apelido de Kids. Essa reputação afastava o público mais velho e endinheirado.
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Nascido e criado em Santa Rosa, cidade a 270 quilômetros de Santa Maria, Kiko pertence a uma família com boas condições financeiras, que administra a GP Pneus, empresa com filiais em outras regiões do país. Conhecidos diziam que ele abriu a boate motivado por uma veleidade artística – queria investir em seu lado cantor e enxergou na Kiss uma possível alavanca para o estrelato. Por isso, se interessava em atrair para a boate os jovens estudantes, a maioria das vítimas do incêndio. Divulgava cartazes estimulando turmas de universitários a organizar festas no local. A boate contratava a banda de música, imprimia o ingresso e divulgava o evento. O lucro vinha da venda de ingressos. Os estudantes organizadores ainda ganhavam uma comissão em dinheiro, fazendo caixa para a formatura, se vendessem com antecedência um grande número de bilhetes de entrada. O preço costumava ficar entre R$ 15 e R$ 25. A casa promovia entre três e quatro festas por semana.

No fim da tarde de segunda-feira (28), Kiko assistia ao noticiário na Globo News na TV do quarto 301 do Hospital Santa Lúcia, em Cruz Alta, a 130 quilômetros de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Chorando muito, ele dizia: “Como é que eu vou carregar isso? Como? Não sei o que vou fazer da vida”. Quem narra a cena é a inspetora da Polícia Civil da cidade, Maristela Gomes Figueiredo. Ela foi a primeira policial designada a observar Kiko depois de decretada sua prisão. Kiko estava muito abatido, mas sem ferimentos aparentes. Vestia uma bermuda e uma camiseta. Mal conversava com a mulher, Nathália, grávida de 18 semanas, internada no mesmo quarto que ele. Sob o efeito de sedativos, dormia e acordava sucessivamente. Enquanto esteve acordado, fez nebulização e reclamou de falta de ar e dores no corpo. “Eu estava lá, tentando salvar... Perdi amigos, funcionários”, dizia, sempre aos prantos. Jantou uma sopa no começo da noite. Ao ver o noticiário, baixou a cabeça e acrescentou: “Não sou esse monstro. Não sou esse monstro”

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